Sabemos que o som é onda, que os corpos vibram, que essa vibração se transmite para a atmosfera sob a forma de uma propagação ondulatória. Nosso ouvido é capaz de captá-la e que o cérebro a interpreta, dando-lhe configurações e sentidos. Representar o som como uma onda significa que ele ocorre no tempo sob a...
Sinal de onda, som e silêncio

Representar o som como uma onda significa que ele ocorre no tempo sob a forma de uma periodicidade, ou seja uma ocorrência repetida dentro de uma certa frequência.
O som é o produto de uma sequência rapidíssima (e geralmente imperceptível) de impulsões e repousos, de impulsos (que se representam pela ascensão da onda) e de quedas cíclicas desses impulsos, seguidas de sua reiteração.
A onda sonora, vista como um microcosmo, contêm sempre a partida e a contrapartida do movimento, num campo praticamente sincrônico (já que o ataque e o reflexo sucessivo da onda são a própria densificação de um certo padrão do movimento, que se dá através das camadas de ar).
Não é a matéria do ar que caminha levando o som, mas sim um sinal de movimento que passa através da matéria, modificando-a e inscrevendo nela, de forma fugaz, o seu desenho.
O som, é assim, o movimento em sua complementaridade, inscrita na sua forma oscilatória. Essa forma permite a muitas culturas pensá-lo como modelo de uma essência universal que seria regida pelo movimento permanente. O círculo do Tao, por exemplo, que contém o ímpeto yang e o repouso yin, é um recorte da mesma onda que costumamos tomar, analogicamente, como representação do som.
Em outros termos (agora mais digitais do que analógicos), pode-se dizer que a onda sonora é formada de um sinal que se apresenta e de uma ausência que pontua desde dentro, ou desde sempre, a apresentação do sinal. (O tímpano auditivo registra essa oscilação como uma série de compressões e descompressões). Sem esse lapso, o som não pode durar, nem sequer começar.
Não há som sem pausa. O tímpano auditivo entraria em espasmo. O som é presença e ausência, e está, por menos que isso pareça, permeado de silêncio. Há tantos ou mais silêncios quanto sons no som, e por isso se pode dizer, com John Cage, que nenhum som teme o silêncio que o extingue. Mas também, de uma maneira reversa, há sempre som dentro do silêncio: mesmo quando não ouvimos os barulhos do mundo.
Fechados numa cabine à prova de som, ouvimos o barulhismo do nosso próprio corpo produtor/receptor de ruídos (refiro-me à experiência de John Cage, que se tornou a seu modo um marco na música contemporânea. E que diz que, isolados experimentalmente de todo ruído externo, escutamos no mínimo o som grave da nossa pulsação sanguínea e o agudo do nosso sistema nervoso).
O mundo se apresenta suficientemente espaçado (quanto mais nos aproximamos de sua texturas mínimas) para estar sempre vazado de vazios, e concreto de sobra para nunca deixar de provocar barulho.
Trecho extraído do livro “O Som e o Sentido” de José Miguel Wisnik 3ª Edição de 2017.